quinta-feira, 28 de abril de 2016

A SOBERANIA DE DEUS E O PROBLEMA DO MAL CAP. 2.3


A SOBERANIA DE DEUS E O PROBLEMA DO MAL

       Certamente a questão mais difícil de todas é como o mal pode coexistir com um Deus que é inteiramente santo e inteiramente soberano. Receio que muitos cristãos não percebam a profunda severidade deste problema. Os céticos têm chamado este problema de "o calcanhar de Aquiles do Cristianismo".
         Lembro-me claramente da primeira vez em que senti a dor por este espinhoso problema. Eu era um calouro na faculdade, e tinha decidido por Cristo havia apenas umas poucas semanas. Estava jogando pingue-pongue no salão do alojamento masculino quando, no meio de um voleio, o pensamento me atingiu: Se Deus é totalmente justo, como poderia ter criado um universo onde o mal está presente? Se todas as coisas vêm de Deus, o mal também não vem dele ?
       Então, como agora, eu percebi que o mal é um problema para a soberania de Deus. Teria o mal vindo ao mundo contra a soberana vontade de Deus? Nesse caso, então, Ele não é absolutamente soberano. Caso contrário, devemos concluir que, de alguma forma, até o mal é preordenado por Deus.
       Por anos procurei a resposta a este problema, pesquisando as obras de teólogos e filósofos. Encontrei algumas tentativas inteligentes de resolver o problema, mas, até agora, nunca encontrei uma resposta profundamente satisfatória.
          A solução mais comum que ouvimos para o dilema é uma simples referência ao livre-arbítrio do homem. Ouvimos tais declarações como "O mal entrou no mundo pela vontade livre do homem. O homem é o autor do pecado, e não Deus".
       Certamente essa declaração está de acordo com o relatório bíblico da origem do pecado. Sabemos que o homem foi criado com uma vontade livre e que o homem livremente escolheu pecar. Não foi Deus que cometeu pecado, foi o homem. Este problema ainda persiste, contudo. De onde foi que o homem contraiu a mais leve inclinação para pecar? Se ele foi criado com um desejo para pecar, então uma sombra é lançada sobre a integridade do Criador. Se ele foi criado sem nenhum desejo para pecar, então precisamos perguntar de onde veio esse desejo.
        O mistério do pecado é atado ao nosso entendimento de livre-arbítrio, do estado do homem na criação, e da soberania de Deus. A questão do livre-arbítrio é tão vital para nosso entendimento de predestinação que vamos dedicar um capítulo inteiro ao assunto. Até então, vamos restringir nosso estudo à questão do primeiro pecado do homem.
       Como puderam Adão e Eva cair? Eles foram criados bons. Poderíamos sugerir que o problema deles foi a engenhosidade de Satanás. Satanás os enganou. Ele trapaceou para que comessem o fruto proibido. Poderíamos supor que a serpente era tão escorregadia que enganou inteira e completamente nossos pais originais.
         Tal explicação suporta diversos problemas. Se Adão e Eva não perceberam o que estavam fazendo, se foram completamente enganados, então o pecado teria sido de Satanás. Mas a Bíblia deixa claro que, apesar de sua engenhosidade, a serpente falou dire­tamente em desafio aos mandamentos de Deus. Adão e Eva tinham ouvido Deus anunciando sua proibição e advertência. Eles ouviram Satanás contradizer Deus. A decisão estava bem à frente deles. Eles não poderiam apelar para a astúcia de Satanás para desculpá-los.
        Mesmo se Satanás não tivesse somente enganado, mas também forçado Adão e Eva ao pecado, ainda não estaríamos livres de nosso dilema. Se eles pudessem, com justiça, ter dito: "O diabo nos fez pecar", teríamos ainda de enfrentar o pecado do diabo. De onde veio o diabo? Como ele conseguiu cair da bondade? Quer este­jamos falando da queda do homem ou da queda de Satanás, estaremos ainda tratando de problemas de boas criaturas tor­nando-se más.
        De novo, ouvimos a explicação "fácil" que o mal veio através do livre-arbítrio do homem. Livre-arbítrio é uma coisa boa. O fato de Deus nos haver dado o livre-arbítrio não lança culpa sobre ele. Na criação, foi dada ao homem uma capacidade para pecar e uma capacidade para não pecar. Ele escolheu pecar. A questão é, "Por quê?"
       Nisto está o problema. Antes que a pessoa possa cometer um ato de pecado, ela precisa primeiro ter um desejo de realizar aquele ato. A Bíblia nos conta que as más ações provêm de maus desejos. Mas a presença de um mau desejo já é pecado. Pecamos porque somos pecadores. Nascemos com uma natureza pecaminosa. Somos criaturas decaídas. Mas Adão e Eva não foram criados decaídos. Eles não tinham natureza pecaminosa. Eram boas criaturas com uma vontade livre. Ainda assim, escolheram pecar. Por quê? Não sei. Nem encontrei ninguém ainda que saiba.
           Apesar deste problema atormentador, ainda devemos afirmar que Deus não é o autor do pecado. A Bíblia não revela as respostas para todas as nossas perguntas. Revela a natureza e o caráter de Deus. Uma coisa é absolutamente impensável, que Deus possa ser o autor ou executor do pecado.
       Mas este capítulo é sobre a soberania de Deus. Ainda ficamos com a questão seguinte: dado o fato do pecado humano, como ele se relaciona com a soberania de Deus? Se é verdade que, de alguma forma, Deus preordena tudo o que acontece, então segue-se, sem dúvida, que Deus deve ter preordenado a entrada do pecado no mundo. Isso não quer dizer que Ele forçou o acontecimento, ou que impôs o mal sobre a criação. Tudo o que significa é que Deus deve ter decidido permitir que acontecesse. Se Ele não permitisse que acontecesse, então não poderia ter acontecido, ou então Ele não é soberano.
       Nós sabemos que Deus é soberano porque sabemos que Deus é Deus. Portanto, devemos concluir que Deus preordenou o pecado. O que mais podemos concluir? Podemos concluir que a decisão de Deus de permitir que o pecado entrasse no mundo foi uma boa decisão. Isto não quer dizer que nosso pecado seja uma boa coisa, mas meramente que a permissão de Deus para que pequemos, o que é mau, é uma boa coisa. Que Deus per­mita o mal é bom, mas o mal que Ele permite ainda é mau. O envolvimento de Deus em tudo isto é perfeitamente justo. Nosso envolvimento nisso é mau. O fato de ter Deus decidido per­mitir que pecássemos não nos absolve de nossa responsabili­dade pelo pecado.
        Uma freqüente objeção que ouvimos é que, se Deus sabia de antemão, que iríamos pecar, por que nos criou? Um filósofo colocou o problema desta maneira: "Se Deus sabia que iríamos pecar e não impediu, então Ele não é nem onipotente nem soberano. Se Ele podia impedir, mas escolheu não fazê-lo, então Ele não é nem amoroso nem benevolente". Por esta aborda­gem, faz-se com que Deus pareça mau, não importa como respon­demos à pergunta.
       Precisamos assumir que Deus sabia de antemão que o homem cairia. Precisamos também assumir que Ele poderia ter agido para detê-lo. Ou Ele poderia ter escolhido não nos criar. Concedemos todas essas possibilidades hipotéticas. Basicamente, sabemos que Ele sabia que cairíamos, e que Ele foi em frente e nos criou mesmo assim. Por que isso significa que Ele não é amoroso? Ele também sabia de antemão que iria desenvolver um plano de redenção para a sua criação decaída que iria incluir uma perfeita manifestação de sua justiça e uma perfeita expressão de seu amor e misericórdia. Foi certamente amoroso da parte de Deus, predestinar a salvação de seu povo, aqueles que a Bíblia chama de "eleitos" ou escolhidos.
       Os não eleitos é que são o problema. Se algumas pessoas não são eleitas para a salvação, então parece que Deus não é tão amoroso para com elas. Para elas, parece que teria sido mais amoroso da parte de Deus não ter permitido que elas nascessem.
        Isso, de fato, pode ser o caso. Mas precisamos fazer a pergunta realmente dura: Há alguma razão pela qual um Deus justo precise ser amoroso para com uma criatura que o odeia e que se rebela constantemente contra sua divina autoridade e santidade? A objeção levantada pelo filósofo implica que Deus deve seu amor a criaturas pecadoras. Ou seja, a suposição não declarada é que Deus é obrigado a ser gracioso com pecadores. O que o filósofo ignora é que, se a graça é obrigada, ela deixa de ser graça. A própria essência da graça é que ela é imerecida. Deus sempre se reserva o direito de ter misericórdia de quem Ele tiver misericórdia. Deus pode dever justiça às pessoas, mas nunca misericórdia.
        É importante destacar uma vez mais que estes problemas se levantam para todos os cristãos que crêem num Deus soberano. Estas questões não são exclusivas de uma visão particular de predestinação.
      As pessoas discutem se Deus é suficientemente amoroso para prover um meio de salvação para todos os pecadores. Uma vez que o calvinismo restringe a salvação apenas aos eleitos, parece requerer um Deus menos amoroso. Na superfície, pelo menos, parece que uma visão não calvinista prove uma oportunidade para a salvação de um vasto número de pessoas, que não seriam salvas na visão calvinista.
    De novo, esta questão toca em assuntos que precisam ser mais amplamente desenvolvidos em capítulos posteriores. Por agora, deixe-me dizer simplesmente que, se a decisão final pela salvação de pecadores decaídos fosse deixada nas mãos dos próprios pecadores, perderíamos toda esperança de que alguém pudesse ser salvo.
    Quando consideramos o relacionamento de um Deus soberano com um mundo decaído, enfrentamos basicamente quatro opções:

1. Deus poderia decidir não prover nenhuma opor­tunidade para ninguém ser salvo.
2. Deus poderia prover uma oportunidade para todos serem salvos.
3. Deus poderia intervir diretamente e garantir a salva­ção de todas as pessoas.
4. Deus poderia intervir diretamente e garantir a salva­ção de algumas pessoas.

         Todos os cristãos imediatamente excluem a primeira opção. A maioria dos cristãos exclui a terceira. Enfrentamos o problema que Deus salva alguns e não todos. O Calvinismo responde com a quarta opção. A visão calvinista da predestinação ensina que Deus ativamente intervém nas vidas dos eleitos para ter certeza absoluta de que eles sejam salvos. É claro que o restante é convidado a Cristo e é dada a eles uma oportunidade para ser salvos, se eles quiserem. Mas o calvinismo assume que, sem uma intervenção de Deus, ninguém jamais vai querer Cristo. Deixado a si mesmo, ninguém jamais vai escolher Cristo.
        Este é precisamente o ponto da disputa. As visões não reformadas da predestinação assumem que cada criatura decaída é deixada com a capacidade de escolher Cristo. O homem não é visto como sendo tão decaído que seja necessária a direta intervenção de Deus ao grau que o Calvinismo afirma. As visões não reformadas todas deixam ao poder do homem que lance na urna o voto decisivo para seu destino definitivo. Nestas visões, a melhor opção é a segunda. Deus provê oportunidades para todos serem salvos. Mas, certamente, as oportunidades não são iguais, uma vez que vastas multidões de pessoas morrem sem jamais ouvir o Evangelho.
        O não reformado faz objeções à quarta opção porque ela limita a salvação a um seleto grupo que Deus escolhe. O não reformado faz objeções à segunda opção porque ele vê a oportunidade universal de salvação como não provendo o suficiente para salvar todos. O calvinista vê Deus fazendo muito mais pela raça humana decaída através da opção quatro do que através da opção dois. O não calvinista vê justamente o inverso. Ele pensa que dar uma oportunidade universal, embora falhe em garantir a salvação de todos, é mais benevolente do que garantir a salvação de alguns e não de outros.
        O problema indecente para o Calvinismo é visto no relacionamento entre as opções três e quatro. Se Deus pode escolher, e escolhe, garantir a salvação de alguns, por que Ele não garante a salvação de todos?
         Antes que eu tente responder a essa pergunta, deixe-me primeiro citar que esse não é só um problema calvinista. Todo cristão deve sentir o peso deste problema. Primeiro enfrentamos a pergunta: "Deus tem o poder de garantir a salvação de todos?"            Certa­mente Deus tem o poder de mudar o coração de cada pecador impenitente e trazer esse pecador a si próprio. Se faltasse a Ele esse poder, então Ele não seria soberano. Se Ele tem esse poder, por que não o usa para todos?
        O pensador não reformado geralmente responde dizendo que, se Deus impusesse seu poder sobre pessoas que não querem, estaria violando a liberdade do homem. Violar a liberdade do homem é pecar. Desde que Deus não pode pecar, não pode impor unilateralmente sua graça salvadora sobre pecadores que não querem. Forçar o pecador a querer quando o pecador não quer é violentar o pecador. A ideia é que, ao oferecer a graça do Evangelho, Deus faz tudo o que pode para ajudar o pecador a ser salvo. Ele tem o poder natural de coagir os homens, mas o uso de tal poder seria estranho à justiça de Deus.
       Isto não traz muito conforto ao pecador no inferno. O pecador no inferno pode estar perguntando: "Deus, se o senhor realmente me amou, por que não me coagiu a crer? Eu preferiria ter meu livre-arbítrio violentado do que estar aqui neste eterno lugar de tormento." Ainda assim, o apelo dos condenados não determinaria a justiça de Deus, se, de fato, fosse errado para Deus impor a si mesmo sobre a vontade do homem. A pergunta que o calvinista faz é: "O que há de errado com Deus criar a fé no coração do pecador?"
       Não é requerido de Deus que busque a permissão do pecador para fazer com o pecador o que Ele quer. O pecador não pediu para nascer no país em que nasceu, para ser filho de seus pais, nem mesmo para nascer. Também não pediu para nascer com uma natureza decaída. Todas estas coisas foram determinadas pela decisão soberana de Deus. Se Deus faz tudo isto que afeta o destino eterno do pecador, o que poderia haver de errado em ele ir um passo além e garantir a salvação do pecador? O que Jeremias queria dizer quando clamou: "Persuadiste-me, ó Senhor, e per­suadido fiquei" (Jeremias 20.7)? Jeremias certamente não convidou Deus a persuadi-lo.
        A questão continua. Por que Deus somente salva alguns? Se nós admitimos que Deus pode salvar os homens violentando suas vontades, por que então Ele não violenta a vontade de todos e traz todos à salvação? (Estou usando aqui a palavra violentar não porque eu realmente pense que exista uma violentação errada, mas porque os não calvinistas insistem no termo.)
       A única resposta que eu posso dar a esta pergunta é que eu não sei. Não tenho idéia por que Deus salva alguns e não todos. Não duvido por um momento que Deus tenha o poder de salvar todos, mas eu sei que Ele não escolhe salvar todos. Realmente não sei por quê.
       Uma coisa sei. Se agrada a Deus salvar alguns e não todos, não há nada de errado com isso. Deus não está obrigado a salvar ninguém. Se Ele escolhe salvar alguns, isso de modo algum o obriga a salvar o restante. De novo, a Bíblia insiste que é divina prerrogativa de Deus ter misericórdia de quem Ele tiver misericórdia.
       O grito em alta voz que o calvinista geralmente ouve a este ponto é: "Isso não é certo!" Mas o que significa certo aqui? Se, por certo, nós queremos dizer igual, então é claro que o protesto é correto. Deus não trata todos os homens igualmente. Nada poderia ser mais claro na Bíblia que isso. Deus apareceu a Moisés de um modo que Ele não apareceu a Hamurabi. Deus deu bênçãos a Israel que não deu à Pérsia. Cristo apareceu a Paulo na estrada de Damasco de modo diferente do qual se manifestou a Pilatos. Deus simplesmente não tem tratado cada ser humano na História exatamente da mesma maneira. Até aí é óbvio.
       Provavelmente o que querem dizer por "certo" no protesto é "justo". Não parece justo que Deus escolha alguém para receber sua misericórdia enquanto outros não recebem o benefício dela.
      Para lidar com este problema, precisamos de um raciocínio apro­ximado, mas muito importante. Vamos presumir que todos os ho­mens são culpados de pecado à vista de Deus. Da massa da huma­nidade culpada, Deus soberanamente decide conceder miseri­córdia a alguns deles. O que o restante recebe? Eles recebem justiça. Os salvos recebem misericórdia e os não salvos recebem justiça. Ninguém recebe injustiça.
Misericórdia não é justiça. Mas também não é injustiça. Olhe para o seguinte gráfico:




       Existe justiça e existe não-justiça. Não-justiça inclui tudo fora da categoria da justiça. Na categoria da não-justiça encontramos dois subconceitos, injustiça e misericórdia. Misericórdia é uma boa forma de não-justiça, enquanto injustiça é uma forma má de não-justiça. No plano de salvação, Deus não faz nada mau. Ele nunca comete uma injustiça. Algumas pessoas recebem justiça, que é o que elas merecem, enquanto outras pessoas recebem mise­ricórdia. Novamente, o fato de alguém receber misericórdia não requer que outros a recebam também. Deus reserva-se o direito da clemência executiva.
        Como ser humano eu poderia preferir que Deus concedesse sua misericórdia a todos igualmente, mas não posso requerer isso. Se Deus não se agrada em dispensar sua misericórdia salvadora a todos os homens, então preciso submeter-me à sua decisão santa e justa. Deus nunca, nunca, nunca é obrigado a ser misericordioso para com os pecadores. Este é o ponto que devemos destacar, se vamos entender a inteira medida da graça de Deus.

       A questão real é por que Deus é inclinado a ser misericordioso com alguém. Sua misericórdia não é requerida, e, mesmo assim, Ele a concede gratuitamente a seu eleito. Ele a deu a Jacó de uma maneira que não deu a Esaú. Ele a deu a Pedro de uma maneira que não deu a Judas. Precisamos aprender a louvar a Deus tanto por sua misericórdia como por sua justiça. Quando Ele executa sua justiça, não está fazendo nada errado. Ele está executando sua justiça de acordo com sua retidão.
Continua...
R. C. Sproul

terça-feira, 12 de abril de 2016

A SOBERANIA DE DEUS CAP. 2.2



A SOBERANIA DE DEUS

       Na maioria das discussões sobre predestinação, há uma grande preocupação em proteger a dignidade e a liberdade do homem. Mas precisamos também observar a crucial importância da soberania de Deus. Embora Deus não seja uma criatura, Ele é pessoal, com suprema dignidade e suprema liberdade. Estamos cientes do delicado problema que envolve o relacionamento entre a soberania de Deus e a liberdade humana. Precisamos também estar cientes do estreito relacionamento entre a soberania de Deus e a liberdade de Deus. A liberdade de um soberano é sempre maior que a liberdade de seus súditos.
        Quando falamos de soberania divina, estamos falando sobre autoridade de Deus e sobre poder de Deus. Como soberano, Deus é a suprema autoridade do céu e da terra. Toda outra autoridade é uma autoridade menor. Toda outra autoridade que existe no universo é derivada e dependente da autoridade de Deus. Todas as outras formas de autoridade existem ou pela ordem de Deus ou pela permissão de Deus.
           A palavra autoridade contém em si a palavra autor. Deus é o autor de todas as coisas sobre as quais Ele tem autoridade. Ele criou o universo. Ele possui o universo. Sua propriedade lhe dá certos direitos. Ele pode fazer com seu universo o que for agradável à sua santa vontade.
          Da mesma maneira, todo o poder no universo flui do poder de Deus. Todo o poder no universo é subordinado a Ele. Até mesmo Satanás não tem poder para agir sem a soberana permissão de Deus.
       Cristianismo não é dualismo. Não cremos em dois poderes extremos iguais, trancados numa luta eterna pela supremacia. Se Satanás fosse igual a Deus, não teríamos nenhuma confiança, nenhuma esperança do bem triunfando sobre o mal. Estaríamos destinados a um impasse eterno entre duas forças iguais e opostas.
            Satanás é uma criatura. Ele certamente é o mal, mas mesmo seu mal está sujeito à soberania de Deus, assim como o nosso próprio mal. A autoridade de Deus é absoluta; seu poder é onipotente. Ele é soberano.
          Um de meus deveres como professor de seminário é ensinar a teologia da Confissão de Fé de Westminster. A Confissão de Westminster tem sido o documento central de credo para o presbiterianismo histórico. Ela apresenta as doutrinas clássicas da Igreja Presbiteriana.
          Uma vez, enquanto lecionava este curso, anunciei na classe noturna que, na semana seguinte, iríamos estudar a parte da confissão que trata da predestinação. Já que a classe noturna era aberta ao público, meus alunos se apressaram a convidar seus amigos para a saborosa discussão. Na semana seguinte, a classe estava lotada de estudantes e visitas.
         Comecei a aula lendo as linhas de abertura do Capítulo III da Confissão de Westminster:

Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalterável tudo quanto acontece.

       Parei de ler neste ponto. Perguntei: "Há alguém nesta sala que não acredita nas palavras que acabei de ler?" Uma multidão de mãos se levantou. Então perguntei: "Há algum ateu convicto nesta sala?" Nenhuma das mãos se levantou. Então disse uma coisa chocante: "Todos que levantaram as mãos para a primeira pergunta, deveriam ter levantado suas mãos para a segunda pergunta".
       Um coro de murmúrios e protestos refutou minha declaração. Como eu poderia acusar alguém de ateísmo por não crer que Deus ordena de antemão qualquer coisa que aconteça? Aqueles que protestaram a estas palavras não estavam negando a existência de Deus. Não estavam protestando contra o Cristianismo. Estavam protestando contra o calvinismo.
           Tentei explicar à classe que a idéia de que Deus preordena tudo que acontece não é uma idéia exclusiva do calvinismo. Não é nem mesmo exclusiva do Cristianismo. É simplesmente uma crença do teísmo — uma crença necessária do teísmo.
      Que Deus, de alguma forma, preordena tudo que acontece é um resultado necessário de sua soberania. Em si própria, a ideia não apela para o calvinismo. Somente declara que Deus é absolutamente soberano sobre sua criação. Deus pode preordenar coisas de diferentes modos. Mas, tudo que acontece deve, pelo menos, acontecer por sua permissão. Se Ele decide permitir alguma coisa, então, num certo sentido, Ele a está preordenando. Quem, entre os cristãos, discutiria que Deus não pode, neste mundo, impedir alguma coisa de acontecer? Se Deus assim quiser, Ele tem o poder de parar o mundo inteiro.
           Dizer que Deus preordena tudo o que acontece é dizer simplesmente que Deus é soberano sobre sua criação inteira. Se alguma coisa viesse a acontecer à parte de sua soberana permissão, então isso que aconteceu frustraria sua soberania. Se Deus se recusasse a permitir que alguma coisa acontecesse, e ela acontecesse mesmo assim, então o que quer que a tenha feito acontecer teria mais autoridade e poder do que o próprio Deus. Se existe alguma parte da criação fora da soberania de Deus, então Deus simplesmente não é soberano. Se Deus não é soberano, então Deus não é Deus.
         Se há uma única molécula neste universo correndo solta, totalmente livre da soberania de Deus, então não temos nenhuma garantia de que uma simples promessa de Deus jamais seja cumprida. Talvez essa molécula independente ponha a perder todos os grandiosos e gloriosos planos que Deus fez e nos prometeu. Se um grão de areia no rim de Oliver Cromwell mudou o curso da história da Inglaterra, então nossa molécula independente poderia mudar o curso de toda a história da redenção. Talvez essa única molécula seja a coisa que impede Cristo de voltar.
       Conhecemos a história: Por falta do casco, perdeu-se a ferradura, perdeu-se o cavalo; por falta do cavalo, perdeu-se o cavaleiro; por falta do cavaleiro, perdeu-se a batalha; por falta da batalha, a guerra foi perdida. Lembro-me de minha tristeza quando ouvi que Bill Vukovich, o maior piloto de carros de sua época, tinha morrido num acidente, nas 500 milhas de Indianápolis. A causa foi mais tarde identificada na falha de um pino que custa dez centavos.
         Bill Vukovich tinha um surpreendente controle de carros de corrida. Era um piloto magnífico. Contudo, ele não era soberano. Uma peça que valia dez centavos custou-lhe a vida. Deus não tem de se preocupar com pinos de dez centavos destruindo seus planos. Não há moléculas independentes correndo soltas. Deus é soberano. Deus é Deus.
          Meus alunos começaram a ver que a soberania divina não é uma questão peculiar ao Calvinismo, ou mesmo ao Cristianismo. Sem soberania, Deus não pode ser Deus. Se rejeitarmos a divina soberania, então deveremos abraçar o ateísmo. Este é o problema que todos nós enfrentamos. Devemos nos agarrar firmemente à soberania de Deus. Ainda assim, devemos fazê-lo de tal modo a não violar a liberdade humana.
       Neste ponto, devo fazer para vocês o que fiz para meus alunos da classe noturna — terminar a declaração da Confissão de Westminster. A declaração inteira fica assim:

Desde de toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou, livre e inalterável, tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.


       Note que, enquanto afirma a soberania de Deus sobre todas as coisas, a Confissão também assevera que Deus não faz mal à vontade humana nem a violenta. A vontade humana e o mal estão debaixo da soberania de Deus.

Continua...
R. C. Sproul

sexta-feira, 8 de abril de 2016

PREDESTINAÇÃO E SOBERANIA DE DEUS CAP. 2.1


2. PREDESTINAÇÃO E SOBERANIA DE DEUS

        Se vamos lutar através da doutrina da predestinação, devemos começar com um entendimento claro do que a palavra significa. Aqui, imediatamente encontramos dificuldades. Nossa definição é, muitas vezes, colorida por nossa doutrina. Poderíamos esperar que, se nos voltássemos para uma fonte neutra para nossa definição — uma fonte como o dicionário Webster — iríamos escapar de tal preconceito. Não temos essa sorte. (Ou, melhor dizendo, essa providência.) Veja estes verbetes no dicionário Webster:

predestinado - destinado, fadado ou determinado de antemão; preordenado, por divino decreto, para uma sorte ou destino, terrestre ou eterno.
predestinação - a doutrina que Deus, em conseqüência de sua presciência de todos os acontecimentos, infalivelmente guia aqueles que são destinados à salvação.
predestinar - destinar, decretar, destinar, apontar ou estabelecer de antemão.

        Não estou certo de quanto podemos aprender destas definições do dicionário, além de que Noah Webster deve ter sido um luterano. O que podemos extrair, contudo, é que a predestinação tem algo a ver com nossa última destinação, e que algo é feito a respeito dessa destinação, por alguém, antes de chegarmos lá. O pre de predestinação refere-se a tempo. Webster fala sobre "de antemão". Destino refere-se ao lugar para onde estamos indo, como vemos no uso normal da palavra destinação.
       Quando ligo para meu agente de viagens para reservar um vôo, logo surge a pergunta: "Qual a sua destinação?" Algumas vezes a pergunta é feita de modo mais simples: "Aonde você vai?" Nossa destinação é o lugar para onde estamos indo. Na teologia, refere-se a um entre dois lugares; ou estamos indo para o céu ou estamos indo para o inferno. Em qualquer dos casos, não podemos cancelar a viagem. Deus só nos dá duas opções finais. Uma ou outra é nossa destinação final. Mesmo o catolicismo romano, que tem outro lugar para além da sepultura, o purgatório, vê isso como uma parada intermediária ao longo do caminho. Seus viajantes andam pela estrada local, enquanto os protestantes preferem a via expressa.
         O que a predestinação significa, em sua forma mais elementar, é que nossa destinação final, céu ou inferno, é decidida por Deus, não só antes de chegarmos lá, mas antes mesmo de havermos nascido. Ensina que nosso último destino está nas mãos de Deus. Outro modo de dizer isto é: Desde a eternidade, antes de vivermos, Deus decidiu salvar alguns membros da raça humana e deixar perecer o restante. Deus fez uma escolha — Ele escolheu alguns indivíduos para serem salvos em eternas bênçãos no céu, e outros Ele escolheu para deixar de fora, para permitir a eles que sigam as conseqüências de seus pecados em eterno tormento no inferno.
       Este é um duro discurso, não importa como o abordemos. Nós perguntamos: "Nossas vidas individuais têm alguma relevância na decisão de Deus? Embora Deus faça sua escolha antes de havermos nascido, ainda assim Ele conhece tudo sobre nossas vidas antes que as vivamos. Ele leva em conta esse conhecimento anterior de nós quando toma sua decisão?" A maneira como respondemos a esta última questão determinará se nossa visão da predestinação é reformada ou não. Lembre-se, declaramos antes que virtualmente todas as igrejas têm alguma doutrina de predestinação. A maioria das igrejas concorda que a decisão de Deus é feita antes de nascermos. A questão, então, está na pergunta: "Em que bases Deus toma essa decisão?"
      Antes de partir para essa resposta, precisamos esclarecer outro ponto. Freqüentemente as pessoas pensam a respeito de predestinação com respeito às questões diárias envolvendo acidentes de trânsito e similares. Elas querem saber se Deus decretou que um time vencesse a Copa do Mundo, ou se uma árvore caiu em cima de seu carro por decreto divino. Até os contratos de seguro têm cláusulas que se referem a "atos de Deus".

           Questões como essas são normalmente tratadas em teologia sob a liderança mais ampla da Providência. Nosso estudo enfoca a predestinação no sentido mais estreito, restringindo-a à questão extrema da salvação ou condenação predestinadas, que chamamos de eleição ou reprovação. As outras questões são tanto interessantes quanto importantes, mas ficam além da finalidade deste livro.
Continua...
R. C. Sproul

terça-feira, 5 de abril de 2016

ELEITOS DE DEUS - A LUTA (CAPÍTULO 1)


A LUTA

       Futebol. Pastel. Bolo de fubá. Cafezinho. Estas coisas são bem brasileiras. Para completar o conjunto, é preciso acrescentar o provérbio: "Religião e política não se discutem".
       Provérbios existem para ser desrespeitados. Talvez nenhuma regra seja quebrada mais freqüentemente do que essa a respeito de não discutir religião e política. Repetidamente embarcamos em tais discussões. E, quando o assunto muda para religião, freqüentemente gira em torno da questão da predestinação. É triste dizer que, muitas vezes, isso significa o fim da discussão e o começo da briga, produzindo mais calor do que luz.
         Discutir sobre predestinação é virtualmente irresistível. O assunto é tão saboroso! Proporciona uma oportunidade para debate a respeito de todas as coisas filosóficas. Quando a questão explode, subitamente nos tornamos superpatrióticos, guardando a árvore da liberdade humana com mais zelo e tenacidade do que Patrick Henry jamais sonhou. A imagem de um Deus todo-poderoso fazendo escolhas por nós, e talvez contra nós, nos faz gritar: "Dá-me o livre-arbítrio ou então a morte!"
       A própria palavra predestinação tem uma aura ameaçadora. E ligada à noção desesperançada de fatalidade e, de alguma maneira, sugere que, dentro de seus limites, somos reduzidos a marionetes insignificantes. A palavra evoca visões de uma deidade diabólica que faz jogos caprichosos com nossas vidas. Parecemos estar sujeitos ao ímpeto de horríveis decretos que foram solidamente fixados muito antes de nascermos.         Melhor seria se nossa vida estivesse escrita nas estrelas, pois assim, pelo menos, poderíamos encontrar dicas sobre nosso destino no horóscopo diário.
       Acrescente-se ao horror da palavra predestinação a imagem pública de seu mais famoso mestre, João Calvino, e muito maior será o abalo.
        Vemos Calvino retratado como um tirano de rosto duro e impla­cável, um Ichabod Crane do século 16, que encontrou diabólico prazer em queimar recalcitrantes heréticos. Isso é suficiente para fa­zer com que nos retiremos completamente da discussão, e reafirme­mos nosso compromisso de nunca discutir religião e política.
      Sendo um assunto que as pessoas consideram tão desagradável, é absolutamente incrível que cheguemos a discuti-lo. Por que falamos dele? Por apreciarmos coisas desagradáveis? É claro que não. Nós o discutimos porque não podemos evitá-lo. É uma doutrina bem estabelecida na Bíblia. Falamos sobre predestinação porque a Bíblia fala sobre predestinação. Se queremos construir nossa teologia sobre a Bíblia, batemos de frente com este conceito. Logo descobrimos que João Calvino não o inventou.
     Virtualmente, todas as igrejas cristãs têm alguma doutrina formal sobre predestinação. Para ser exato, a doutrina da predestinação encontrada na Igreja Católica Romana é diferente da doutrina da Igreja Presbiteriana. Os luteranos têm uma visão do assunto diferente da visão dos episcopais.
        O fato de haver visões tão variadas e abundantes da predestinação somente dá suporte ao fato de que, se somos bíblicos em nossa maneira de pensar, precisamos ter alguma doutrina de predestinação. Não podemos ignorar passagens tão conhecidas como:
 "...assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos salvos e irrepreensíveis perante ele, e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade..." 
(Efésios 1.4-5).

"...nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade..." 
(Efésios 1.11).

"Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja 
o primogênito entre muitos irmãos"
 (Romanos 8.29).

      Se pretendemos ser bíblicos, a questão não é se devemos ter uma doutrina de predestinação ou não, mas que tipo devemos abraçar. Se a Bíblia é a Palavra de Deus e não mera especulação humana, e se Deus, Ele mesmo, declara que existe tal coisa cha­mada predestinação, então segue-se inevitavelmente que deve­mos abraçar alguma doutrina de predestinação.
       Se vamos seguir esta linha de pensamento, então é claro que devemos avançar mais um passo. Não é suficiente que tenhamos apenas uma visão qualquer de predestinação. E nosso dever procurar a visão correta da predestinação, para que não sejamos culpados de distorcer ou ignorar a Palavra de Deus. É aqui que a verdadeira luta começa, a luta para juntar cuidadosamente tudo que a Bíblia ensina sobre esta matéria.
       Minha luta com a predestinação começou cedo em minha vida cristã. Eu conheci um professor de filosofia na faculdade que era um calvinista convicto. Ele apresentou a assim chamada visão "reformada" da predestinação. Não gostei dela. Definitivamente não gostei dela. Lutei com unhas e dentes contra ela durante todo o tempo da faculdade.
      Formei-me não persuadido da visão reformada ou calvinista da predestinação, para ir em seguida a um seminário que incluía entre seus preletores o rei dos calvinistas, John H. Gerstner. Gerstner é para a predestinação o que Einstein é para a física ou o que Arnold Palmer é para o golfe. Seria melhor eu ter desafiado Einstein sobre a teoria da relatividade, ou ter entrado numa partida com Palmer, do que enfrentar Gerstner. Mas... os tolos se apressam no caminho que os anjos temem pisar.
       Desafiei Gerstner na classe seguidamente, tornando-me um incômodo total. Resisti por bem mais que um ano. Minha rendição final veio em estágios. Estágios dolorosos. Começou quando fui trabalhar como pastor estudante numa igreja. Escrevi um bilhete para mim mesmo, que conservei num lugar onde sempre podia ver:

VOCÊ PRECISA CRER, PREGAR E ENSINAR O QUE A BÍBLIA DIZ QUE É VERDADE, E NÃO O QUE VOCÊ QUER QUE A BÍBLIA DIGA QUE É VERDADE.

      O bilhete me assustava. Minha crise final veio em meu último ano. Eu fazia um curso com direito a três créditos, estudando sobre Jonathan Edwards. Passamos o semestre estudando o livro mais famoso de Edwards, A Liberdade da Vontade, sob a tutela de Gerstner. Ao mesmo tempo eu fazia um curso de exegese grega no livro de Romanos. Eu era o único aluno nesse curso, sozinho com o professor de Novo Testamento. Eu não tinha onde me esconder.
     A combinação foi demais para mim. Gerstner, Edwards, o professor de Novo Testamento e, sobretudo, o apóstolo Paulo, eram um time formidável demais para eu enfrentar. O nono capítulo de Romanos foi minha tábua de salvação. Eu simplesmente não pude evitar o ensinamento do apóstolo naquele capítulo. Relutantemente, suspirei e me rendi, mas com minha cabeça, e não com meu coração. "Tudo bem, creio nestas coisas, mas não preciso gostar delas!"
      Logo descobri que Deus nos criou de maneira tal que o coração deve seguir a cabeça. Eu não podia, com impunidade, amar alguma coisa com minha cabeça e odiá-la com meu coração. Uma vez que comecei a ver a sagacidade da doutrina e suas mais amplas implicações, meus olhos foram abertos para a generosidade da graça e para o grande conforto da soberania de Deus. Comecei a gostar da doutrina pouco a pouco, até que explodiu na minha alma que a doutrina revelava a profundidade e as riquezas da misericórdia de Deus.
       Eu não mais temia os demônios do fatalismo, ou o desagradável pensamento que eu estava sendo reduzido à condição de marionete. Agora eu me alegrava num gracioso Salvador, o único que era imortal e invisível, o único Deus sábio.
   Dizem que não há nada mais desagradável do que um bêbado convertido. Experimente discutir com um arminiano convertido. Os arminianos convertidos tendem a tornar-se calvinistas inflamados, zelosos pela causa da predestinação. Você está lendo a obra de um convertido assim.
    Minha luta tem me ensinado algumas coisas ao longo do caminho. Aprendi, por exemplo, que nem todos os cristãos são tão zelosos a respeito da predestinação como eu sou. Há homens melhores do que eu que não compartilham de minhas conclusões. Tenho aprendido que muitos entendem mal a predestinação. Tenho também aprendido a dor de estar errado.
      Quando ensino a doutrina da predestinação, freqüentemente fico frustrado por causa daqueles que obstinadamente se recusam a submeter-se a ela. Tenho vontade de gritar: "Vocês não entendem que estão resistindo à Palavra de Deus?" Neste caso, sou culpado de pelo menos um entre dois pecados possíveis. Se meu entendimento de predestinação é correto, então, na melhor das hipóteses, estou sendo impaciente com pessoas que estão meramente lutando como eu uma vez lutei, e, na pior das hipóteses, estou sendo arrogante e condescendente em relação àqueles que discordam de mim.
      Se meu entendimento de predestinação não é correto, então meu pecado é composto, uma vez que eu estaria difamando os santos que, por se oporem ao meu ponto de vista, estão defendendo os anjos. Então, os riscos são altos para mim, na questão.
        A luta a respeito da predestinação é muito mais confusa porque as maiores cabeças na história da Igreja têm discordado a respeito dela. Eruditos e líderes cristãos, do passado e do presente, têm tomado diferentes posições. Uma rápida olhada na história da Igreja revela que o debate a respeito da predestinação não é entre liberais e conservadores, ou entre crentes e não crentes. É um debate entre crentes, entre cristãos piedosos e fervorosos.
        Pode ser útil ver como os velhos mestres do passado se alinharam nesta questão.

Visão "reformada"
Visões oponentes
Sto. Agostinho
Pelágio
Sto. Tomás de Aquino
Armínio
Martinho Lutero
Filipe Melanchton
João Calvino
João Wesley
Jonathan Edwards
Charles Finney

     Pode parecer que eu esteja querendo trapacear. Estes pensadores, que são mais amplamente olhados como os titãs da erudição cristã clássica, tendem em peso para o lado reformado. Estou persuadido, contudo, de que este é um fato da história que não pode ser ignorado. Para dizer a verdade, é possível que Agosti­nho, Aquino, Lutero, Calvino e Edwards possam estar errados sobre o assunto. Estes homens certamente discordam uns dos outros em outros pontos da doutrina. Não são infalíveis, nem individualmente nem coletivamente.
     Não podemos determinar a verdade contando narizes. Os grandes pensadores do passado podem estar errados. Mas é importante para nós vermos que a doutrina da predestinação não foi inventada por João Calvino. Não há nada na visão de Calvino sobre a predestinação que não tenha sido proposto anteriormente por Lutero, e por Agostinho antes dele. Mais tarde, o luteranismo não seguiu a Lutero neste assunto, mas a Melanchthon, que alterou seus pontos de vista após a morte de Lutero. E também digno de nota que, em seu famoso tratado sobre teologia, As Institutas da Religião Cristã, João Calvino escreveu escassamente sobre o assunto. Lutero escreveu mais sobre predestinação do que Calvino.
      Deixando de lado a lição de história, devemos levar a sério o fato de que estes homens cultos concordaram neste difícil assunto. Uma vez mais, o fato de eles terem concordado não prova o caso a favor da predestinação. Eles poderiam estar errados. Mas esse fato atrai a nossa atenção. Não podemos dispensar a visão reformada como sendo uma noção peculiarmente presbiteriana. Eu sei que durante a minha grande luta com a predestinação, estive grandemente perturbado com as vozes unificadas dos titãs da erudição cristã clássica neste ponto. Mais uma vez, eles não são infalíveis, mas merecem nosso respeito e nossa atenção.
       Entre os líderes cristãos contemporâneos, encontramos uma lista mais equilibrada entre concordância e discordância. (Tenha em mente que estamos falando aqui em termos gerais, e que existem significativos pontos de diferença entre os que estão de cada lado.)

Visão "reformada"
Visões oponentes
Francis Schaeffer
C. S. Lewis
Cornelius Van Til
Norman Geisler
Roger Nicole
John W. Montgomery
James M. Boice
Clark Pinnock
Philip Hughes
Billy Graham

        Não sei onde Bill Bright, Chuck Swindoll, Pat Robertson e uma série de outros líderes se posicionam neste ponto. Jimmy Swaggart deixou claro que ele considera a visão reformada uma heresia demoníaca. Seus ataques à doutrina têm sido menos do que sóbrios. Eles não refletem o cuidado e o fervor dos homens listados acima, na coluna dos "oponentes". São todos grandes líderes, cu­jas visões são dignas de nossa cuidadosa atenção.

       Minha esperança é que todos continuemos a lutar. Nunca devemos supor que já chegamos. Ainda assim, não há virtude no ceticismo absoluto. Olhamos com olhos preconceituosos aqueles que estão sempre aprendendo, mas nunca chegam ao conhecimento da verdade. Deus se deleita com homens e mulheres de convicção. E claro que Ele se preocupa que nossas convicções estejam de acordo com a verdade. Lute comigo, pois, enquanto embarcamos na difícil, mas, espero, proveitosa viagem no exame da doutrina da predestinação.
Continua ....

R. C. Sproul

DAS BOAS OBRAS - CAP 16.3


terça-feira, 15 de março de 2016

A BÍBLIA NÃO DIZ QUE OS MAGOS ERAM REIS, NEM QUE ERAM TRÊS, NEM QUE SE ENCONTRARAM COM JESUS NA MANJEDOURA


É   interessante   como   a   tradição   a   respeito   dos   magos   que foram   ver   a   Jesus   INVENTOU   três   coisas   que, de   modo   algum, fazem parte do fidedigno relato bíblico.

A primeira delas encontramos nas gravuras que aparecem em todo   o mundo, tentando   retratar   a célebre   visita.   Nelas, vemos   os magos   entregando   seus   presentes   diante   de   um   bebê   NA MANJEDOURA. Isto   jamais   poderia   acontecer, pois   os   magos   chegaram   em torno   de   dois   anos   depois   do   nascimento   de   Jesus.   Vemos   isto claramente descrito em Mateus 2:16:

"Vendo-se   iludido   pelos   magos, enfureceu-se   Herodes grandemente   e   mandou   matar   todos   os   meninos   de   Belém   e   de todos   os   seus   arredores, DE DOIS   ANOS   para   baixo, conforme   o tempo do qual COM PRECISÃO se informara dos magos."

Está   vendo?   Herodes   informou-se   "com   precisão"   dos   magos sobre o tempo em que a estrela   aparecera no Oriente.  O resto das informações   que   queria   não   se   obteve   porque   os   magos   foram embora para casa "por outro caminho". (Mateus 2:12).
O   fato   é   que   os   magos   jamais   estiveram   ao   lado   daquela manjedoura.  Quando viram Jesus, José e Maria, eles estavam EM UMA CASA! (Mateus 2:12).

A segunda ilusão   a respeito   dos   magos é   que   eram   TRÊS.  A Bíblia   jamais   revela   isto.   Existe   a   inferência, deduzida   dos presentes que ofertaram (ouro, incenso e mirra). (Mateus 2:11).

O fato   de   serem   três   presentes   não quer   dizer   que   eram   três magos.   Podiam   ter   sido   dois   ou   quatro, ou   até   mais.   Também podiam ser três. O ponto é que não   se pode afirmar com certeza, baseado nos presentes. Um deles poderia ter trazido o ouro, ou então, se fossem quatro   ou cinco, dois   ou até   três, poderiam   ter   trazido   ouro, dois teriam trazido incenso e um mirra.

A terceira coisa criada pela imaginação popular a respeito dos magos, é que eles eram REIS! Não existe qualquer evidência bíblica de que aqueles homens sábios, ou magos (no original "magi"), eram monarcas poderosos.

Não se pode deduzir isto de suas ofertas. Podemos apenas entender que eram ricos, porém rei, não.

Ainda há aqueles que afirmam que eram três reis de países e raças   completamente   diferentes:   um   branco, um   negro   e   um amarelo.

Quando   se   trata   da   Bíblia, não   há   lugar   para   muita imaginação. A Bíblia afirma   que   "todos   os   reis   se   prostrarão   perante   ele" (Salmo   72:   11), mas   ainda   não   foi   daquela   vez.   Aqueles   homens eram   simplesmente   estudiosos   a   quem Deus   quis   brindar   com   a gloriosa experiência de verem Seu Filho ainda criança.

Paulo de Aragão Lins

Livro: O que a Bíblia NÃO diz