A
SOBERANIA DE DEUS
Na maioria
das discussões sobre predestinação, há uma grande preocupação em proteger a
dignidade e a liberdade do homem. Mas precisamos também observar a crucial
importância da soberania de Deus. Embora Deus não seja uma criatura, Ele é
pessoal, com suprema dignidade e suprema liberdade. Estamos cientes do delicado
problema que envolve o relacionamento entre a soberania de Deus e a liberdade
humana. Precisamos também estar cientes do estreito relacionamento entre a
soberania de Deus e a liberdade de Deus. A liberdade de um soberano é sempre
maior que a liberdade de seus súditos.
Quando
falamos de soberania divina, estamos falando sobre autoridade de Deus e sobre
poder de Deus. Como soberano, Deus é a suprema autoridade do céu e da terra.
Toda outra autoridade é uma autoridade menor. Toda outra autoridade que existe
no universo é derivada e dependente da autoridade de Deus. Todas as outras
formas de autoridade existem ou pela ordem de Deus ou pela permissão de Deus.
A palavra autoridade
contém em si a palavra autor. Deus é o autor de todas as coisas
sobre as quais Ele tem autoridade. Ele criou o universo. Ele possui o universo.
Sua propriedade lhe dá certos direitos. Ele pode fazer com seu universo o que
for agradável à sua santa vontade.
Da mesma
maneira, todo o poder no universo flui do poder de Deus. Todo o poder no
universo é subordinado a Ele.
Até mesmo Satanás não tem poder para agir sem a soberana permissão de Deus.
Cristianismo
não é dualismo. Não
cremos em dois poderes extremos iguais, trancados numa luta eterna pela
supremacia. Se Satanás fosse igual a Deus, não teríamos nenhuma confiança,
nenhuma esperança do bem triunfando sobre o mal. Estaríamos destinados a um
impasse eterno entre duas forças iguais e opostas.
Satanás é uma criatura. Ele certamente é o mal,
mas mesmo seu mal está sujeito à soberania de Deus, assim como o nosso próprio
mal. A autoridade de Deus é absoluta; seu poder é onipotente. Ele é soberano.
Um de meus
deveres como professor de seminário
é ensinar a teologia da Confissão de Fé de Westminster. A Confissão de
Westminster tem sido o documento central de credo para o presbiterianismo
histórico. Ela apresenta as doutrinas clássicas da Igreja Presbiteriana.
Uma vez,
enquanto lecionava este curso, anunciei na classe noturna que, na semana
seguinte, iríamos estudar a parte
da confissão que trata da predestinação. Já que a classe noturna era aberta ao
público, meus alunos se apressaram a convidar seus amigos para a saborosa
discussão. Na semana seguinte, a classe estava lotada de estudantes e visitas.
Comecei a
aula lendo as linhas de abertura do Capítulo III da Confissão de Westminster:
Desde toda a
eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade,
ordenou livre e inalterável tudo quanto acontece.
Parei de ler
neste ponto. Perguntei: "Há alguém nesta sala que não acredita nas
palavras que acabei de ler?" Uma multidão de mãos se levantou. Então
perguntei: "Há algum ateu convicto nesta sala?" Nenhuma das mãos se
levantou. Então disse uma coisa chocante: "Todos que levantaram as mãos para a primeira pergunta, deveriam ter
levantado suas mãos para a segunda pergunta".
Um coro de
murmúrios e protestos
refutou minha declaração. Como eu poderia acusar alguém de ateísmo por não crer
que Deus ordena de antemão qualquer coisa que aconteça? Aqueles que protestaram
a estas palavras não estavam negando a existência de Deus. Não estavam
protestando contra o Cristianismo. Estavam protestando contra o calvinismo.
Tentei
explicar à classe que a idéia
de que Deus preordena tudo que acontece não é uma idéia exclusiva do
calvinismo. Não é nem mesmo exclusiva do Cristianismo. É simplesmente uma
crença do teísmo — uma crença necessária do teísmo.
Que Deus, de
alguma forma, preordena tudo que acontece é um resultado necessário de sua soberania. Em si própria, a ideia não apela para o calvinismo. Somente declara que Deus é absolutamente
soberano sobre sua criação. Deus pode preordenar coisas de diferentes modos.
Mas, tudo que acontece deve, pelo menos, acontecer por sua permissão. Se Ele
decide permitir alguma coisa, então, num certo sentido, Ele a está
preordenando. Quem, entre os cristãos, discutiria que Deus não pode, neste
mundo, impedir alguma coisa de acontecer? Se Deus assim quiser, Ele tem o poder
de parar o mundo inteiro.
Dizer que
Deus preordena tudo o que acontece é dizer simplesmente que Deus é soberano
sobre sua criação inteira. Se alguma coisa viesse a acontecer à parte de sua
soberana permissão, então isso que aconteceu frustraria sua soberania. Se Deus
se recusasse a permitir que alguma coisa acontecesse, e ela acontecesse mesmo
assim, então o que quer que a tenha feito acontecer teria mais autoridade e
poder do que o próprio Deus. Se existe alguma parte da criação fora da
soberania de Deus, então Deus simplesmente não é soberano. Se Deus não é
soberano, então Deus não é Deus.
Se há uma
única molécula neste universo correndo solta, totalmente livre da soberania de
Deus, então não temos nenhuma garantia de que uma simples promessa de Deus jamais
seja cumprida. Talvez essa molécula independente ponha a perder todos os
grandiosos e gloriosos planos que Deus fez e nos prometeu. Se um grão de areia
no rim de Oliver Cromwell mudou o curso da história da Inglaterra, então nossa
molécula independente poderia mudar o curso de toda a história da redenção.
Talvez essa única molécula seja a coisa que impede Cristo de voltar.
Conhecemos a
história: Por falta do casco, perdeu-se a ferradura, perdeu-se o cavalo; por
falta do cavalo, perdeu-se o cavaleiro; por falta do cavaleiro, perdeu-se a
batalha; por falta da batalha, a guerra foi perdida. Lembro-me de minha
tristeza quando ouvi que Bill Vukovich, o maior piloto de carros de sua época,
tinha morrido num acidente, nas 500 milhas de Indianápolis. A causa foi mais
tarde identificada na falha de um pino que custa dez centavos.
Bill
Vukovich tinha um surpreendente controle de carros de corrida. Era um piloto
magnífico. Contudo, ele não era soberano. Uma peça que valia dez centavos
custou-lhe a vida. Deus não tem de se preocupar com pinos de dez centavos
destruindo seus planos. Não há moléculas independentes correndo soltas. Deus é
soberano. Deus é Deus.
Meus alunos
começaram a ver que a soberania divina não é uma questão peculiar ao
Calvinismo, ou mesmo ao Cristianismo. Sem soberania, Deus não pode ser Deus. Se
rejeitarmos a divina soberania, então deveremos abraçar o ateísmo. Este é o
problema que todos nós enfrentamos. Devemos nos agarrar firmemente à soberania
de Deus. Ainda assim, devemos fazê-lo de tal modo a não violar a liberdade humana.
Neste ponto,
devo fazer para vocês o que fiz para meus alunos da classe noturna — terminar a
declaração da Confissão de Westminster. A declaração inteira fica assim:
Desde de toda
a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade,
ordenou, livre e inalterável, tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus
é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a
liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.
Note que,
enquanto afirma a soberania de Deus sobre todas as coisas, a Confissão também assevera que Deus não faz mal à
vontade humana nem a violenta. A vontade humana e o mal estão debaixo da
soberania de Deus.
Continua...
R. C. Sproul
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