terça-feira, 12 de abril de 2016

A SOBERANIA DE DEUS CAP. 2.2



A SOBERANIA DE DEUS

       Na maioria das discussões sobre predestinação, há uma grande preocupação em proteger a dignidade e a liberdade do homem. Mas precisamos também observar a crucial importância da soberania de Deus. Embora Deus não seja uma criatura, Ele é pessoal, com suprema dignidade e suprema liberdade. Estamos cientes do delicado problema que envolve o relacionamento entre a soberania de Deus e a liberdade humana. Precisamos também estar cientes do estreito relacionamento entre a soberania de Deus e a liberdade de Deus. A liberdade de um soberano é sempre maior que a liberdade de seus súditos.
        Quando falamos de soberania divina, estamos falando sobre autoridade de Deus e sobre poder de Deus. Como soberano, Deus é a suprema autoridade do céu e da terra. Toda outra autoridade é uma autoridade menor. Toda outra autoridade que existe no universo é derivada e dependente da autoridade de Deus. Todas as outras formas de autoridade existem ou pela ordem de Deus ou pela permissão de Deus.
           A palavra autoridade contém em si a palavra autor. Deus é o autor de todas as coisas sobre as quais Ele tem autoridade. Ele criou o universo. Ele possui o universo. Sua propriedade lhe dá certos direitos. Ele pode fazer com seu universo o que for agradável à sua santa vontade.
          Da mesma maneira, todo o poder no universo flui do poder de Deus. Todo o poder no universo é subordinado a Ele. Até mesmo Satanás não tem poder para agir sem a soberana permissão de Deus.
       Cristianismo não é dualismo. Não cremos em dois poderes extremos iguais, trancados numa luta eterna pela supremacia. Se Satanás fosse igual a Deus, não teríamos nenhuma confiança, nenhuma esperança do bem triunfando sobre o mal. Estaríamos destinados a um impasse eterno entre duas forças iguais e opostas.
            Satanás é uma criatura. Ele certamente é o mal, mas mesmo seu mal está sujeito à soberania de Deus, assim como o nosso próprio mal. A autoridade de Deus é absoluta; seu poder é onipotente. Ele é soberano.
          Um de meus deveres como professor de seminário é ensinar a teologia da Confissão de Fé de Westminster. A Confissão de Westminster tem sido o documento central de credo para o presbiterianismo histórico. Ela apresenta as doutrinas clássicas da Igreja Presbiteriana.
          Uma vez, enquanto lecionava este curso, anunciei na classe noturna que, na semana seguinte, iríamos estudar a parte da confissão que trata da predestinação. Já que a classe noturna era aberta ao público, meus alunos se apressaram a convidar seus amigos para a saborosa discussão. Na semana seguinte, a classe estava lotada de estudantes e visitas.
         Comecei a aula lendo as linhas de abertura do Capítulo III da Confissão de Westminster:

Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalterável tudo quanto acontece.

       Parei de ler neste ponto. Perguntei: "Há alguém nesta sala que não acredita nas palavras que acabei de ler?" Uma multidão de mãos se levantou. Então perguntei: "Há algum ateu convicto nesta sala?" Nenhuma das mãos se levantou. Então disse uma coisa chocante: "Todos que levantaram as mãos para a primeira pergunta, deveriam ter levantado suas mãos para a segunda pergunta".
       Um coro de murmúrios e protestos refutou minha declaração. Como eu poderia acusar alguém de ateísmo por não crer que Deus ordena de antemão qualquer coisa que aconteça? Aqueles que protestaram a estas palavras não estavam negando a existência de Deus. Não estavam protestando contra o Cristianismo. Estavam protestando contra o calvinismo.
           Tentei explicar à classe que a idéia de que Deus preordena tudo que acontece não é uma idéia exclusiva do calvinismo. Não é nem mesmo exclusiva do Cristianismo. É simplesmente uma crença do teísmo — uma crença necessária do teísmo.
      Que Deus, de alguma forma, preordena tudo que acontece é um resultado necessário de sua soberania. Em si própria, a ideia não apela para o calvinismo. Somente declara que Deus é absolutamente soberano sobre sua criação. Deus pode preordenar coisas de diferentes modos. Mas, tudo que acontece deve, pelo menos, acontecer por sua permissão. Se Ele decide permitir alguma coisa, então, num certo sentido, Ele a está preordenando. Quem, entre os cristãos, discutiria que Deus não pode, neste mundo, impedir alguma coisa de acontecer? Se Deus assim quiser, Ele tem o poder de parar o mundo inteiro.
           Dizer que Deus preordena tudo o que acontece é dizer simplesmente que Deus é soberano sobre sua criação inteira. Se alguma coisa viesse a acontecer à parte de sua soberana permissão, então isso que aconteceu frustraria sua soberania. Se Deus se recusasse a permitir que alguma coisa acontecesse, e ela acontecesse mesmo assim, então o que quer que a tenha feito acontecer teria mais autoridade e poder do que o próprio Deus. Se existe alguma parte da criação fora da soberania de Deus, então Deus simplesmente não é soberano. Se Deus não é soberano, então Deus não é Deus.
         Se há uma única molécula neste universo correndo solta, totalmente livre da soberania de Deus, então não temos nenhuma garantia de que uma simples promessa de Deus jamais seja cumprida. Talvez essa molécula independente ponha a perder todos os grandiosos e gloriosos planos que Deus fez e nos prometeu. Se um grão de areia no rim de Oliver Cromwell mudou o curso da história da Inglaterra, então nossa molécula independente poderia mudar o curso de toda a história da redenção. Talvez essa única molécula seja a coisa que impede Cristo de voltar.
       Conhecemos a história: Por falta do casco, perdeu-se a ferradura, perdeu-se o cavalo; por falta do cavalo, perdeu-se o cavaleiro; por falta do cavaleiro, perdeu-se a batalha; por falta da batalha, a guerra foi perdida. Lembro-me de minha tristeza quando ouvi que Bill Vukovich, o maior piloto de carros de sua época, tinha morrido num acidente, nas 500 milhas de Indianápolis. A causa foi mais tarde identificada na falha de um pino que custa dez centavos.
         Bill Vukovich tinha um surpreendente controle de carros de corrida. Era um piloto magnífico. Contudo, ele não era soberano. Uma peça que valia dez centavos custou-lhe a vida. Deus não tem de se preocupar com pinos de dez centavos destruindo seus planos. Não há moléculas independentes correndo soltas. Deus é soberano. Deus é Deus.
          Meus alunos começaram a ver que a soberania divina não é uma questão peculiar ao Calvinismo, ou mesmo ao Cristianismo. Sem soberania, Deus não pode ser Deus. Se rejeitarmos a divina soberania, então deveremos abraçar o ateísmo. Este é o problema que todos nós enfrentamos. Devemos nos agarrar firmemente à soberania de Deus. Ainda assim, devemos fazê-lo de tal modo a não violar a liberdade humana.
       Neste ponto, devo fazer para vocês o que fiz para meus alunos da classe noturna — terminar a declaração da Confissão de Westminster. A declaração inteira fica assim:

Desde de toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou, livre e inalterável, tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.


       Note que, enquanto afirma a soberania de Deus sobre todas as coisas, a Confissão também assevera que Deus não faz mal à vontade humana nem a violenta. A vontade humana e o mal estão debaixo da soberania de Deus.

Continua...
R. C. Sproul

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